HORA DA HISTÓRIA (CONTO JAPONÊS)
O SENHOR PALHA
Era uma vez,
há muitos e muitos anos, é claro, porque as melhores histórias passam-se sempre
há muitos e muitos anos, um homem chamado Senhor Palha. Ele não tinha casa, nem
mulher, nem filhos. Para dizer a verdade, só tinha a roupa do corpo. Ora o
Senhor Palha não tinha sorte. Era tão pobre que mal tinha para comer e era
magrinho como um fiapo de palha. Era por esse motivo que as pessoas lhe
chamavam Senhor Palha.
Todos os
dias o Senhor Palha ia ao templo pedir à Deusa da Fortuna que melhorasse a sua
sorte, mas nada acontecia. Até que um dia, ele ouviu uma voz sussurrar:
— A primeira
coisa em que tocares quando saíres do templo há de trazer-te uma grande
fortuna.
O Senhor
Palha apanhou um susto. Esfregou os olhos, olhou em volta, mas viu que estava
bem acordado e que o templo estava vazio. Mesmo assim, saiu a pensar: “Terei
sonhado ou foi a Deusa da Fortuna que falou comigo?” Na dúvida, correu para
fora do templo, ao encontro da sorte. Mas, na pressa, o pobre Senhor Palha
tropeçou nos degraus e foi rolando aos trambolhões até o final da escada, onde
caiu por terra. Ao levantar-se, ajeitou as roupas e percebeu que tinha alguma
coisa na mão. Era um fio de palha.
“Bom”,
pensou ele, “uma palha não vale nada, mas, se a Deusa da Fortuna
quis que eu a apanhasse, é melhor guardá-la.”
E lá foi
ele, com a palha na mão.
Pouco
depois, apareceu uma libélula zumbindo em volta da cabeça dele. Tentou
afastá-la, mas não adiantou. A libélula zumbia loucamente ao redor da cabeça
dele. “Muito bem”, pensou ele. “Se não queres ir embora, fica comigo.” Apanhou
a libélula e amarrou-lhe o fio de palha à cauda. Ficou a parecer um pequeno
papagaio (de papel), e ele continuou a descer a rua com a libélula presa à
palha. Encontrou a seguir uma florista, que ia a caminho do mercado com o filho
pequenino, para vender as suas flores. Vinham de muito longe. O menino estava
cansado, coberto de suor, e a poeira fazia-o chorar. Mas quando viu a libélula
a zumbir amarrada ao fio de palha, o seu pequeno rosto animou-se.
— Mãe,
dás-me uma libélula? — pediu. — Por favor!
“Bem”,
pensou o Senhor Palha, “a Deusa da Fortuna disse-me que a palha traria sorte.
Mas este garotinho está tão cansado, tão suado, que pode ficar mais feliz com
um pequeno presente.” E deu ao menino a libélula presa à palha.
— É muita
bondade sua — disse a florista. — Não tenho nada para lhe dar em troca além de
uma rosa. Aceita?
O Senhor
Palha agradeceu e continuou o seu caminho, levando a rosa. Andou mais um pouco
e viu um jovem sentado num tronco de árvore, segurando a cabeça entre as mãos.
Parecia tão infeliz que o Senhor Palha lhe perguntou o que havia acontecido.
— Hoje à
noite, vou pedir a minha namorada em casamento — queixou-se o rapaz. — Mas sou
tão pobre que não tenho nada para lhe oferecer.
— Bem, eu
também sou pobre — disse o Senhor Palha. — Não tenho nada de valor, mas se
quiser dar-lhe esta rosa, é sua.
O rosto do
rapaz abriu-se num sorriso ao ver a esplêndida rosa.
— Fique com
estas três laranjas, por favor — disse o jovem. — É só o que posso dar-lhe em
troca.
O Senhor Palha
continuou a andar, levando três suculentas laranjas. Em seguida, encontrou um
vendedor ambulante puxando uma pequena carroça.
— Pode
ajudar-me? — disse o vendedor ambulante, exausto. — Tenho puxado esta carroça
durante todo o dia e estou com tanta sede que acho que vou desmaiar. Preciso de
um gole de água.
— Acho que
não há nenhum poço por aqui — disse o Senhor Palha. — Mas, se quiser, pode
chupar estas três laranjas.
O vendedor
ambulante ficou tão grato que pegou num rolo da mais fina seda que havia na
carroça e deu-o ao Senhor Palha, dizendo:
— O senhor é
muito bondoso. Por favor, aceite esta seda em troca.
E, uma vez
mais, o Senhor Palha continuou o seu caminho, com o rolo de seda debaixo do
braço.
Não tinha
dado dez passos quando viu passar uma princesa numa carruagem. Tinha um olhar
preocupado, mas a sua expressão alegrou-se ao ver o Senhor Palha.
— Onde
arranjou essa seda? — gritou ela. — É justamente
aquilo de que estou à procura. Hoje é o aniversário de meu pai e quero dar-lhe
um quimono real.
— Bem, já
que é aniversário dele, tenho prazer em oferecer-lhe a seda — disse o Senhor
Palha.
A princesa
mal podia acreditar em tamanha sorte.
— O senhor é
muito generoso — disse sorrindo. — Por favor, aceite esta jóia em troca.
A carruagem
afastou-se, deixando o Senhor Palha com uma jóia de inestimável valor
refulgindo à luz do sol.
“Muito bem”,
pensou ele, “comecei com um fio de palha que não valia nada e agora tenho uma
jóia. Sinto-me contente.”
Levou a jóia
ao mercado, vendeu-a e, com o dinheiro, comprou uma plantação de arroz.
Trabalhou muito, arou, semeou, colheu, e a cada ano a plantação produzia mais
arroz. Em pouco tempo, o Senhor Palha ficou rico.
Mas a
riqueza não o modificou. Oferecia sempre arroz aos que tinham fome e ajudava
todos os que o procuravam. Diziam que sua sorte tinha começado com um fio de
palha, mas quem sabe se não terá sido com a sua generosidade?
William J.
Bennett
O Livro das
Virtudes II – O Compasso Moral
Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1996
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